Arte Postal da Coleção de Antonio Miranda
VOU FECHAR PARA BALANÇO
Poema de Antonio Miranda
Vou fechar para balanço
Tiro do mostruário a mercadoria encalhada.
Ninguém leu, ninguém gostou, ninguém sentiu.
Perdi todos os amigos,
eram todos maus pagadores,
fugiram todos de mim.
Encabulados, sem saber o que dizer.
E o que não foi dito é o pior:
vou fechar para balanço.
O ouro que eu toquei virou latão.
Volto pelos caminhos que andei
e já é outro caminho.
Desligo o telefone, as luzes,
tranco a porta por dentro
e destruo a campainha.
Mas deixo a janela aberta.
Vou fechar para balanço.
Amargurado.
Voltarei ao que sempre fui
e será tudo inútil.
Que não me saibam é que dói.
Perdi todos os amigos,
as páginas permanecem mudas
ávidas
e ei gritarei sem cansar-me,
mesmo sem voz
— ou por isso.
Porque Mario prefere os versos de amor,
Manuel os poemas da dor,
Maria lê
como quem se retoca no espelho.
Me dizem panfletário, sentimentalóide,
circunstancial e até personalista.
Não sou como, não chego a,
sou prolixo, sintético, seco
Reacionário, comunista, alienado.
Ateu, plebeu, indecente.
Maria não gosta da palavra estrume
Luís busca os lugares comuns.
Adalgisa, coitada, cansada e fatigada
ainda encontra pecados ortográficos.
Para Mário sou cerebral, frio, geométrico,
hermético: ele não entende nada.
Maria entende tudo e espera mais.
Vou fechar para balanço.
Perdi todos os amigos.
Perdi tempo, Perdi tudo.
Mas onde perdi me salvei.
Fecho a porta e continuo.
Rio de Janeiro, junho, 1966,
escrito aos 15 anos de idade.
|